“… Essas são coisas do passado. O que de fato me importava naquele momento era estar de volta à casa depois de nove anos de exílio. Meu pai havia me perdoado por ter fugido e queria estar com meu filho. Eu queria estar com a Mulher de Pedra. Durante toda a nossa infância, minha irmã e eu costumávamos nos esconder nas cavernas junto a uma pedra muito antiga que deve ter sido uma estátua de uma deusa pagã. Ficava num lugar de destaque de onde se divisavam as amendoeiras do pomar atrás da casa. Vista de longe, parecia, de fato, uma figura de mulher dominando a pequena elevação onde ficava, cercada de ruínas e de pedras. Não era Afrodite nem Atenas. Essas nós teríamos reconhecido. Aquela tinha resquícios de um misterioso véu que se tornava visível apenas quando o sol se punha. Tinha o rosto escondido. Talvez fosse uma deusa local, dizia Zeynep, esquecida havia muito tempo. Talvez os cristãos estivessem marchando para aquele lugar e o artista se visse forçado pelas circunstâncias a interromper seu trabalho. Talvez não fosse mesmo deusa alguma, e sim a primeira imagem esculpida de Maria, a mãe de Jesus. Jamais nos pusemos de acordo quanto à sua identidade, portanto ela ficou sendo a Mulher de Pedra. Quando crianças, confiávamos a ela nossos segredos, nossas dúvidas mais íntimas, e imaginávamos suas respostas.
Um dia descobrimos que nossas mães, nossas tias e as servas faziam o mesmo. Passamos então a nos esconder atrás das pedras para ouvir seus lamentos; só assim ficávamos sabendo do que se passava, de fato, naquela enorme casa. Foi desse modo que a Mulher de Pedra transformou-se no repositório de todas as nossas dores secretas. Segredos são coisas terríveis. Mesmo quando são necessários, eles começam a corroer nossas almas. É sempre melhor quando podemos nos livrar deles, e a Mulher de Pedra possibilitava às mulheres desta casa pôr para fora seus segredos e assim levar uma vida interior mais saudável.”
(in Mulher de Pedra, Tariq Ali)