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A matéria-prima da literatura é a palavra. É a partir, primeiro, da escolha delas que um texto literário se desenvolve. Enquanto bulas de remédio, relatórios, manuais e e-mails costumam prezar pela clareza e pela simplicidade, a palavra na literatura busca eco na vida ou na imaginação do leitor. Ao lermos um texto literário esperamos que, de algum modo, ele reverbere em nós. Claro que versos, estrofes, frases ou parágrafos são a extensão disso; não há dúvida. Mas antes que eles possam existir há sempre essa escolha primordial, a do verbete para cada coisa.

A pergunta que deve perseguir um escritor per se é:

– Isto que escrevi diz exatamente o que eu gostaria de dizer?

Dia desses postei no Facebook um texto do Caio Fernando Abreu que comoveu um monte de gente. No texto ele chama o encantamento (palavra batida, usada e vaga) de algumas outras coisas diferentes, como ‘possibilidade de amor’ e ‘pequena epifania’.

Você sabe o que quer dizer epifania ou apenas intui? Epifania é a expressão religiosa empregada para designar uma manifestação divina. Por extensão, é o perceber súbito e imediato de uma realidade essencial, uma espécie de iluminação.

[na imagem, em espanhol.]

Do dicionário:

epifania [do dicionário]

Revelação manifestada a partir de algo inesperado; percepção intuitiva: aquela ideia genial resultou de uma epifania. [Religião] Revelação de Deus ou sua manifestação em Jesus: epifania do Senhor. [Religião] Revelação do que é divino ou de qualquer divindade. [Religião] Festa comemorada no dia 6 de janeiro, em louvor aos reis magos; primeiro indício da vinda de Cristo.

Deixando de lado qualquer significado religioso mais particular, deu pra pegar o sentido da coisa, não deu? E o amor, então? Que, nesse texto, especificamente, chega junto com a palavra possibilidade? Caio convida assim o leitor a imaginar o amor que quiser, multiplicando o mesmo amor (desgastado, puído, velho) a níveis altíssimos e muito maiores do que a palavra amor, sozinha, seria capaz de insinuar. A possibilidade de amor seria também a possibilidade de um amor a definir; imenso, enorme, infinito, mágico (ou qualquer outro adjetivo que se queira imaginar sem que sua qualidade seja determinada pelo escritor). Possibilidade de amor então, leitor, é o amor que você quiser pressupor.

Ah, a escolha de palavras…

Com esse texto não estou dizendo para que menosprezem a arte dos haicais, das boas crônicas, nem de qualquer outro texto, tantas vezes maravilhoso, capaz de dizer  numa frase e com palavras mais do que batidas verdades não tão óbvias. Mas combinar verbetes em frases, versos ou parágrafos é o passo seguinte da arte de escrever.

O desafio que você pode aceitar, por enquanto, é o seguinte: – que duas palavras você escolheria para se definir (por enquanto)?

Garanto que é um exercício interessante.

 

Bom final de semana pra vocês!

 

 

Irresoluta permanente.