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Na vida – e na literatura, que é uma espécie de vida, só que através de lentes especiais – às vezes temos a oportunidade de batizar pessoas, coisas e até lugares. Não que sempre tenhamos controle total sobre isso. Minha filha, por exemplo, dependesse só de mim se chamaria Maria Alice (o Maria por tradição familiar e Alice por conta do País das Maravilhas mesmo) ou Maria Antônia (que a meu ver garantiria um saldo bancário satisfatório por toda a vida). O pai reagiu. Sugeriu Amália, que era o nome da babá dele de infância.

Babá por babá, o nome da minha era mais bonito, Catarina, ora essa! “Amália” já ia nascer com 50 anos! Nada feito. Após muita peleja, quase na data dela chegar, concordamos com Maria Clara. Não sei os motivos que o levaram a, finalmente, concordar com este, mas do meu lado o nome evocava uma coisa boa, iluminada. Acredito que a música Sereia, do Lulu Santos e a Fada que Tinha Ideias (um livro que eu amava quando era criança), Claraluz – que foi como chamei minha filha durante um bom tempo – tiveram lá seu quinhão de influência.

Não posso afirmar o quanto de diferença isso fez na vida dela; mas na minha, posso especular. Nasci nos anos 70 (em 1972, pra ser exata) e ressuscitar nome de antepassado era moda naquela época. Dei sorte de ficar com o da minha bisavó, Rachel, mas Amélia, Perpétua e Vera, em tese, estariam no páreo. Não tenho dúvida que com o Perpétua, por exemplo, eu teria sofrido muito mais bullying na escola – do que o já provocado pela minha então magrelice e orelhas de abano. Isso, no mínimo, renderia mais algumas sessões com o meu psicanalista.

Sítio do Pica-pau Amarelo, Cem Anos de Solidão, a cadelinha Baleia, a menina má chilenita do Llosa, Pollyanna, Gatsby, Holden Caulfield, Gregor Samsa, Maga & Oliveira, Guerra e Paz, o Vermelho e o Negro, Terra Média, Anna Karenina, Dom Quixote de la Mancha, Utopia e Lolita não foram nomes que nasceram sem algum suor e elucubração. Que dirá os apelidos, cuidadosamente pensados de Bento e Capitolina, mais conhecidos como Bentinho e Capitu (um apelido diminutivo e outro singular)…

Guimarães Rosa, um capítulo a parte no cuidado com os nomes

Na literatura brasileira, os nomes de personagens batizados por Guimarães Rosa já renderam alguns ensaios (há um famoso da Ana Maria Machado) e até livro. Em O Mundo Movente de Guimarães Rosa, José Carlos Garbuglio enumera possibilidades para “traduzir” os significados de Diadorim. Dia + doron ou através + dádiva, dom, o que não exclui outras hipóteses. Di (dois) + adorar, ou o duplo adorado? Ou diá (através) + dor + in – por intermédio da dor, do sofrimento?

Até as equipes da Polícia Federal dedicam parte do seu tempo a escolher nomes para batizar suas operações. “Carne Fraca”, “Hidra de Lerna”, “Dark Side” são alguns deles. Você não concorda que o interesse da população aumenta quando se depara com um destes? Então, que tal deixar a preguiça de lado e parar de menosprezar o que os nomes e os títulos podem fazer pelo seu texto literário?